Inovação climática e sistemas alimentares: o Brasil no centro da transformação agroambiental

Por Ricardo Gravina

O sistema alimentar global é responsável por cerca de um terço das emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que sofre os impactos crescentes da crise climática. Perdas e desperdício de alimentos representam de 8% a 10% das emissões globais anuais de gases de efeito estufa — quase cinco vezes o total de emissões do setor de aviação — e contribuem significativamente para a perda de biodiversidade, consumindo quase um terço das terras agrícolas do mundo.

No Brasil, país com vocação agrícola, a urgência climática impõe um novo desafio: produzir mais, de forma sustentável, com menos impacto e mais inclusão.  Nesse cenário, a inovação climática aplicada à agropecuária e aos sistemas alimentares se torna uma alavanca estratégica, não apenas para reduzir emissões e regenerar o solo, mas também para fortalecer a segurança alimentar, promover a inclusão social produtiva e preservar os recursos naturais. Soluções tecnológicas e modelos de negócio conectados com o território mostram que é possível conciliar produtividade, justiça climática e regeneração ambiental.

O papel do Brasil como potência agroambiental

Com sua rica biodiversidade, vasto território e clima favorável, o Brasil reúne condições únicas para liderar a produção de alimentos de baixo carbono. Além de ser uma potência agrícola, o país tem avançado em políticas públicas que incentivam práticas mais sustentáveis.

Para manter e ampliar essa relevância, é preciso responder com agilidade às exigências de mercados cada vez mais atentos ao desmatamento zero, e à rastreabilidade e impactos socioambientais das cadeias produtivas. Regulamentações mais rigorosas, como as da União Europeia, pressionam exportadores como o Brasil, que investe em tecnologia e logística para fortalecer sua competitividade.

Nesse contexto, ganham destaque modelos inovadores de diversificação produtiva, que além de produzir, também atuam na recuperação de áreas degradadas, melhoram a fertilidade do solo, aumentam a produtividade e reduzem emissões. Um exemplo de política pública é o Plano ABC, criado em 2010 e atualizado em 2023 como Plano ABC+,  que sustenta esse avanço com metas ambiciosas até 2030. A nova fase inclui um reforço de R$5 bilhões em crédito sustentável para práticas como plantio direto, recuperação de pastagens e sistemas integrados, como lavoura-pecuária-floresta.

O alinhamento de políticas públicas, inovação tecnológica e novos modelos de negócio vem pavimentando a transição agroambiental, unindo produtividade, regeneração e inclusão social.

Caminhos para transformar os sistemas alimentares

Transformar os sistemas alimentares brasileiros em modelos mais resilientes e sustentáveis exige uma abordagem sistêmica, capaz de integrar soluções e atores diversos. Três frentes complementares impulsionam esse processo: práticas regenerativas, inovação biotecnológica e digitalização do campo.

A primeira, centrada na agroecologia e na agricultura regenerativa, propõe redesenhar os sistemas produtivos com base na saúde do solo, na biodiversidade e na adaptação climática. Com foco na regeneração dos ecossistemas e na resiliência a eventos extremos, essas abordagens vêm sendo adotadas por redes de produtores.

A segunda envolve o avanço dos bioinsumos e das novas proteínas, alternativas viáveis aos insumos químicos e à produção animal convencional. O uso crescente de biofertilizantes, bioestimulantes e defensivos naturais permite um manejo mais equilibrado e com menor impacto ambiental. As proteínas alternativas — produzidas a partir de plantas, microrganismos ou cultivo celular — começam a ganhar espaço como vetores de mudança nas cadeias alimentares.

A terceira passa pela digitalização do campo, que tem revolucionado a tomada de decisão na agricultura. Sensores, imagens de satélite, inteligência artificial e blockchain permitem um monitoramento cada vez mais preciso e rastreabilidade em toda a cadeia. Ao otimizar recursos e reduzir desperdícios, abrem caminho para uma agricultura mais transparente e conectada.

A combinação dessas frentes indica um novo modelo agrícola — mais conectado aos limites do planeta, capaz de regenerar ecossistemas e fortalecer a soberania alimentar. Embora persistam desafios como acesso a crédito, conectividade rural e assistência técnica, especialmente para pequenos produtores, o ecossistema de inovação brasileiro mostra crescente capacidade para enfrentá-los.

Startups que estão fazendo a diferença

Na prática, a inovação no campo brasileiro tem ganhado forma por meio de empreendedores que colocam a mão na terra — e nos dados — para transformar a realidade rural.

A Courageous Land , por exemplo, alia sensoriamento remoto, imagens de satélite e inteligência territorial para apoiar decisões mais estratégicas sobre o uso da terra. Suas ferramentas identificam áreas prioritárias para conservação, restauração e produção sustentável, com foco em sistemas agroflorestais e na integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), ajudando empresas e produtores a reduzir o risco de desmatamento e fortalecer cadeias regenerativas com rastreabilidade.

Já a Mate Guayrá aposta na valorização da cultura local e do saber tradicional. A startup atua no desenvolvimento de uma cadeia sustentável para a erva-mate sombreada, com manejo florestal nativo e práticas agroecológicas. Além de proteger a biodiversidade e garantir rastreabilidade, atua com o fortalecimento de comunidades indígenas e pequenos agricultores no sul do Brasil, promovendo comércio justo e regeneração sociocultural.

A ManejeBem, por sua vez, leva assistência técnica a quem mais precisa, mesmo nas regiões mais remotas. Por meio de uma plataforma digital, oferece orientação técnica personalizada a pequenos produtores, com diagnósticos e recomendações à distância. Com isso, estimula a adoção de práticas mais sustentáveis, o uso eficiente de recursos e o aumento da produtividade, apoiando a agricultura familiar e o acesso à inovação.

Por fim, a Agscore: IA Preditiva usa inteligência artificial para apoiar decisões estratégicas, com análise de mais de 80 variáveis para prever riscos e resultados por janela de plantio, com até um ano de antecedência. A plataforma permite comparações entre cenários de cultivo, envia alertas climáticos personalizados e apresenta taxas de previsão superiores a 90% de precisão. A solução ajuda agricultores, revendas e instituições financeiras a tomar decisões mais seguras, aproximando o campo do ecossistema financeiro.

Ao integrar tecnologia ao cotidiano dos produtores, essas iniciativas vão além das soluções técnicas — constroem caminhos concretos para um novo modelo de desenvolvimento, mais justo, regenerativo e alinhado aos desafios do nosso tempo.

A força das conexões e a oportunidade da COP 30

Por mais potentes que sejam essas soluções, nenhuma transformação profunda acontece sozinha. A transição para sistemas alimentares mais sustentáveis exige articulação entre governos, investidores, empreendedores, produtores, pesquisadores e comunidades locais. É preciso alinhar interesses, mobilizar recursos e criar ambientes regulatórios e financeiros que favoreçam a inovação e a adoção de novas práticas em larga escala.

A Climate Ventures tem atuado nesse papel de articulação, conectando startups, fundos de investimento, organizações da sociedade civil e formuladores de políticas para acelerar a inovação climática no Brasil. Apoiando a articulação de diversos atores, ajudamos a transformar ideias em impacto real, facilitando as condições para uma agricultura mais regenerativa, inclusiva e alinhada às metas globais de clima e biodiversidade.

Esse esforço coletivo ganha um momento estratégico em novembro, quando o Brasil sediará a COP 30 em Belém, entre os dias 10 e 21. Sediada pela primeira vez na Amazônia, a conferência coloca o país no centro das discussões globais sobre justiça climática, segurança alimentar e conservação ambiental. Será uma oportunidade única para dar visibilidade às experiências brasileiras em bioeconomia, soluções baseadas na natureza e inovação tecnológica, além de reconhecer o papel fundamental de povos indígenas e comunidades locais na construção de sistemas produtivos mais justos e sustentáveis.

Ao alinhar os pilares para um mesmo projeto de futuro, a COP 30 pode reforçar a urgência de ação e consolidar o protagonismo brasileiro na transição para uma economia de baixo carbono e na transformação dos sistemas alimentares. E a Climate Ventures está pronta para apoiar essa agenda, conectando capital, inovação e impacto socioambiental.

Anterior
Anterior

Rumo à COP 30 – Porque o Brasil ainda não capturou sua vantagem climática

Próximo
Próximo

Finanças híbridas alavancam negócios