Quem paga a conta da crise climática?

Por Ricardo Gravina

A crise climática que atravessamos não é apenas ambiental. É também social e econômica, gerando profunda desigualdade. Nas Américas, esse desequilíbrio é evidente: comunidades que menos contribuíram para o aquecimento global são as que mais sofrem seus efeitos. A combinação de pobreza, más condições de vida, alta densidade populacional, uso inadequado do solo, baixa renda, educação e saúde deficientes aumenta a vulnerabilidade dessas populações.

Em 2023, eventos como enchentes, secas e queimadas afetaram 11 milhões só na América Latina, provocando mais de 900 mortes. O clima extremo gerou prejuízo de US$ 23 bilhões, segundo o estudo “Inovações em justiça climática”, recém-lançado pela Climate Ventures . Só no Brasil — onde houve 12 ocorrências climáticas extremas — , o número de deslocados do clima chegou a 745 mil. Somos o sexto país do mundo onde mais gente é obrigada a deixar sua casa em consequência das adversidades.

Esses números escancaram uma verdade incômoda: não basta discutir emissões e metas de carbono sem enfrentar a base estrutural das desigualdades. A justiça climática é a lente que nos obriga a considerar raça, classe, gênero e território na formulação de soluções. No campo, isso significa assegurar terra e renda a comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, combatendo ameaças como grilagem, remoções ilegais e conflitos em áreas de expansão agrícola e mineração. Nas cidades, passa por acesso a moradia digna, saneamento e participação nas decisões sobre o futuro dos territórios. A distribuição desigual de recursos urbanos cria zonas de exclusão, onde faltam serviços básicos e áreas verdes — e sobram riscos de deslizamentos, formação de ilhas de calor e enchentes.

Nossos vizinhos latino-americanos enfrentam desafios climáticos específicos. No Peru, o derretimento das geleiras nos Andes ameaça comunidades rurais que dependem da água do degelo para irrigação e consumo. No Chile, a região central enfrenta crise hídrica e desertificação, que afetam tanto cidades quanto comunidades indígenas e pequenos agricultores. Na Argentina, inundações frequentes prejudicam a produção agropecuária, base da economia do país. Aqui no Brasil, não podemos esquecer as queimadas, provocadas tanto por fatores climáticos quanto por ação humana. Só em 2024, 30,8 milhões de hectares — área maior que a Itália — foram devastados pelo fogo, um aumento de 79% em relação a 2023, segundo o MapBiomas .

Para mitigar esses problemas, é preciso dinheiro. No entanto o montante disponível — via fundos multilaterais, governos, bancos de desenvolvimento e setor privado — não está à altura do desafio, e raramente esses recursos chegam à ponta. As populações mais afetadas enfrentam burocracia em excesso, exigências técnicas complexas e falta de redes de contato para se beneficiar desses financiamentos. Em geral, quem consegue acessá-los não vive nos territórios que demandam soluções urgentes.

Há escassez de capital para investimentos destinados integralmente à justiça climática, que une os conceitos de justiça ambiental e direitos humanos. Embora o financiamento climático esteja aumentando, ele ainda não chega a quem mais precisa. O estudo mencionado, parte da série Onda Verde Insights, mapeou 374 instituições nas Américas voltadas para justiça climática ou transição justa. Dessas, apenas 103 atuam como financiadoras de soluções com foco em justiça climática, o que mostra descompasso entre discurso e prática. O capital necessário para uma transição ecológica justa existe — o que falta é destravá-lo com propósito.

A justiça climática não pode ser apêndice da agenda ambiental. Precisa ser o seu eixo central. Sem ela, qualquer transição será, no máximo, tecnocrática — e, na prática, inviável.

*Ricardo Gravina é cofundador e co-CEO da Climate Ventures

Artigo originalmente publicado pela Editora O Globo S/A ( O Globo ).

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