Solução baseada na natureza ainda não engrena no Brasil

Com desafio de destravar recursos e atrair investidores, discussão faz parte dos debates sobre bioeconomia pautados na COP30

Por Victoria Netto — Do Rio 20/10/2025 05h02

Gravina: ampliar o fluxo de capital ainda é o maior obstáculo e setor segurador tem um papel-chave — Foto: Keiny Andrade/Valor Ricardo

Os projetos de soluções baseadas na natureza (SbN), como agroflorestas e infraestruturas verdes urbanas, têm ganhado relevância no debate sobre financiamento climático, mas ainda enfrentam obstáculos estruturais e financeiros no Brasil. Para destravar recursos e atrair investidores, especialistas defendem mecanismos integrados de redução de riscos, que vão desde as garantias e os seguros segmentados até uma composição dessas iniciativas.

A discussão faz parte dos debates sobre bioeconomia pautados na COP30, marcada para novembro, em Belém. As soluções baseadas na natureza usam ecossistemas para resolver desafios socioeconômicos e ambientais, como mudanças climáticas e segurança hídrica, enquanto geram renda e conservam a biodiversidade. São exemplos os projetos de reflorestamento, recuperação de manguezais e pastagens regenerativas.

A diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) , Maria Netto, afirma que as SbN englobam iniciativas muito distintas e que as barreiras variam conforme o tipo de projeto e de público. “Pequenos produtores, por exemplo, têm menos acesso a crédito e enfrentam custos mais altos”, diz. Segundo ela, também existem riscos relacionados ao território, como na Amazônia, onde a incerteza fundiária e a ilegalidade de certas atividades afastam investidores.

Para Netto, é necessário combinar seguros, garantias de desempenho e contratos padronizados para criar um “pacote” que reduza riscos e aumente a confiança dos investidores. “O ‘blending’ tem que ser bom, senão dá dor de cabeça”, alerta, lembrando que recursos concessionados (que vêm de fontes públicas ou filantrópicas) devem ser usados para testar modelos inovadores e não só para baratear crédito.

O cofundador da Climate Ventures Ricardo Gravina avalia que ampliar o fluxo de capital ainda é o maior obstáculo e que o setor segurador tem um papel-chave. “Em setores consolidados, como energia renovável, há segurança jurídica e previsibilidade, mas em soluções baseadas na natureza ou em outros negócios de biodiversidade ainda não se mapeou todos os riscos e o dinheiro fica reticente.”

Para fechar essas lacunas, alguns laboratórios têm trabalhado para encontrar saídas inovadoras. É o caso do Nature Investment Lab (NIL), que articula setores e conhecimento técnico para atrair investimentos. Segundo Gravina, que atua na secretaria-executiva do NIL, garantias são cruciais. “Um dos métodos existentes é o ‘first loss’, em que há tranches de risco e um investidor, como um banco de desenvolvimento, assume a perda inicial em caso de prejuízo para dar um colchão de segurança para os demais investidores”, exemplifica.

Outra organização é o Global Innovation Lab for Climate Finance (Lab), cujo foco é desenhar e testar mecanismos financeiros capazes de atrair capital privado para esses projetos, especialmente em países em desenvolvimento. A gerente mundial do Lab, Amanda Brasil-Leigh, reforça que o fluxo de recursos para essas iniciativas ainda é baixo porque a relação risco-retorno está longe da curva ideal. “Os investimentos são menores, dispersos e de longo prazo, então é difícil encontrar investidores dispostos a investir.”

Brasil-Leigh cita o exemplo de um projeto em andamento na Índia, que testa seguros paramétricos para proteger agricultores contra oscilações de preço, com o apoio de um fundo de doadores. Esse tipo de seguro paga indenizações com base em parâmetros pré-definidos, como a intensidada chuva, vento ou terremoto, independentemente de perdas materiais avaliadas no local. “É um modelo que ainda está em fase inicial, mas foi bem recebido.”

A gerente do Lab também cita um caso desenvolvido nas Filipinas para restaurar manguezais e oferecer cobertura a comunidades costeiras. O modelo previa que parte dos lucros obtidos com a restauração seria compartilhada com seguradoras, mas, segundo ela, não houve ampla adesão, devido à dificuldade em precificar o risco. Na América Latina, a Colômbia tem um projeto que busca conservar os páramos, ecossistemas que ajudam a filtrar a água, mas enfrenta o desafio de definir quem vai pagar pelo seguro (o “prêmio”).

Na visão de especialistas, é consenso que o principal impasse dos seguros é justamente definir o valor do prêmio e quem paga por ele em projetos de soluções baseadas na natureza. Para o representante de sustentabilidade da consultoria WayCarbon, Caio Barreto, a diversidade dos projetos dificulta a avaliação de valores. “Os riscos operacionais são diferentes, e para uma seguradora ou para um banco tradicional é muito difícil avaliar esses riscos.”

É um modelo que ainda está em fase inicial, mas foi bem recebido” — Amanda Brasil-Leigh

Mas, de acordo com a diretora da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Jéssica Bastos, é possível identificar o interesse segurado e definir quem paga o prêmio, que pode ser tanto da entidade financiadora, da comunidade beneficiada, quanto de uma empresa vinculada ao ecossistema. Ela acrescenta que uma das formas de tornar mais previsíveis as operações é usar a natureza a favor do seguro. “Em muitos casos, proteger um ecossistema é robustecê-lo para servir como mecanismo de redução de risco.”

Bastos completa: “Quando falamos da recuperação de ecossistemas, como seguro para manguezal ou para barreira de coral, é preciso identificar quem tem interesse. Se você pensa num grande hotel que vai sofrer com a ressaca da maré se a barreira de coral ou o manguezal estiverem devastados, essa organização tem interesse direto na manutenção do ecossistema.”

A diretora da Susep destaca ainda que a pulverização de riscos por meio de resseguro, letras de risco e ampliação da base segurada é fundamental para lidar com riscos catastróficos. A autarquia editou uma norma em dezembro de 2024 que traz regras para a classificação de produtos como sustentáveis e também criou um grupo de trabalho, em setembro, com representantes de diferentes setores para construir “soluções holísticas”.

No Brasil, embora esse mercado ainda seja recente, há um esforço das seguradoras em desenvolver produtos novos, afirma a diretora de sustentabilidade da CNseg - Confederação Nacional das Seguradoras , Cláudia Prates. O avanço, diz ela, dependerá do amadurecimento dos projetos de SbN e da aproximação entre os bancos e o setor segurador.

Quando os projetos começarem e os próprios bancos virem o setor segurador como um mitigador de risco, já vamos ter produtos para oferecer”, diz. Prates lembra ainda que companhias de papel e celulose, como Suzano e Klabin, historicamente contam com seguros para florestas plantadas, e que o próximo passo das seguradoras é criar produtos de florestas nativas.

No mercado brasileiro, a BB Seguros lançou, em outubro de 2024, um produto voltado para a recomposição de florestas de reserva legal e áreas de preservação permanente (APPs) em caso de incêndios. Se houver um sinistro, o produtor rural recebe indenização pela recomposição da propriedade segurada, a partir da apresentação de notas fiscais de insumos.

O seguro, voltado para a proteção de biomas em Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina oferece cobertura básica de incêndio, com valor definido de acordo com o tamanho da área e o limite máximo de indenização médio do bioma relacionado. Procurada, a BB Seguros preferiu não comentar a iniciativa.

Matéria originalmente publicada pela Valor Econômico.

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