Brasil tem a oportunidade de liderar a inovação climática

O país tem todas as peças, mas esses ativos aguardam articulação institucional que os transformem em vantagem competitiva sistêmica

Por Ricardo Gravina

A COP30, em Belém, representa um momento único na história do enfrentamento da emergência climática global. Pela primeira vez, uma conferência das partes ocorre no coração da Amazônia, oferecendo ao Brasil a chance de transformar sua vocação natural em liderança concreta na economia mundial do clima. Não é apenas um marco territorial, e sim uma oportunidade histórica para o país deixar de ser uma promessa e assumir a liderança global em inovação climática.

O Brasil reúne ativos excepcionais: matriz elétrica 90% renovável (contra 30% da média global), a maior biodiversidade do planeta, tecnologia, agroindústria, um ecosistema crescente de soluções climáticas - mais de mil, segundo um levantamento da Climate Ventures - e um dos maiores estoques de biomassa do mundo. E o cenário internacional está a nosso favor: os Estados Unidos recuaram do protagonismo multilateral, a China concentra-se em manufatura e a Europa busca parceiros confiáveis no Sul Global. Ao mesmo tempo, mais de U$ 100 bilhões por ano em financiamento climático aguardam destinos com governança sólida e pipeline maduro de soluções.

Temos todas as peças do quebra-cabeça, mas esses ativos permanecem dispersos, aguardando articulação institucional que os transformem em vantagem competitiva sistêmica. Alguns obstáculos travam nossa capacidade de atrair recursos: a ausência de coordenação entre os vários atores envolvidos (governo, corporações, instituições financeiras, academia e sociedade civil) e de uma política nacional integrada; a falta de estruturas adequadas para financiar projetos adaptados à realidade dos territórios; e a baixa visibilidade das soluções de climate tech, bioeconomia, agroecologia e energias limpas, que continuam à margem das políticas públicas e das prioridades de financiamento. Também não podem ser ignoradas a subestimação do risco climático nas decisões financeiras e a baixa mobilização do mercado de seguros, ainda sem capacidade para mapear riscos e criar produtos voltados a bioeconomia, floresta e adaptação que consigam atrair capital mais avesso ao risco.

Segundo a BloombergNEF, a transição para uma economia net-zero demandará mais de US$ trilhões até 2050, sendo US$ 12 trilhões apenas até 2030. O dinheiro existe, mas vai para o lugar errado. Apesar do boom no financiamento climático global, a maior parte dos recursos segue concentrada em soluções maduras ou infraestrutura tradicional. Sobra pouco para tecnologias emergentes, modelos disruptivos ou soluções aplicadas a contextos socioambientais complexos - exatamente onde mora o potencial transformador.

O Brasil pode capturar uma parcela significativa desse capital e posicionar a inovação climática como ativo estratégico de Estado. Embora lidere os investimentos em clima na América Latina - com aportes triplicados entre 20218 e 2022, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - o pais carece de muito mais. O Fórum Econômico Mundial estima em R$ 1 trilhão o valor necessário até 20230 para cumprirmos nossas metas. Atraímos atualmente quase 80% do capital de startups da América Latina, mas esse percentual despenca quando o assunto é venture capital climático. Juntos, o Brasil e todo o continente africano recebem menos de 4% do capital global em climate techs. Ou seja, temos posição regional consolidada, mas seguimos invisíveis na agenda que realmente conta para o futuro da economia.

Sem inovação, não há transição. A pressão crescente por adaptação climática, sobretudo em áreas vulneráveis, exige novas tecnologias, novos modelos e inteligência de financiamento. Investir em inovação é investir em resiliência, produtividade e estabilidade.

Segundo o Network for Greening the Financial System (NGFS) - uma rede global de instituições financeiras para acelerar as finanças verdes - as perdas econômicas podem ultrapassar US$ 2,3 trilhões até 2100 se não precificado, o que limita a ação do capital privado.

Algumas iniciativas ajudariam a superar esses desafios, como a adoção de uma Estratégia Nacional de Inovação Climática, com metas, recursos e coordenação, e a criação de instrumentos financeiros específicos para inovação Climática, com capital público e privado, nos moldes da Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos (BIP). Por meio de um fundo nacional de inovação climática, o Estado poderia firmar contratos de pré-compra, comprometendo-se, no futuro, a adquirir soluções inovadoras com alto impacto climático. Esse mecanismo reduz o risco para quem empreende, sinaliza demanda ao mercado e atrai capital privado para soluções alinhadas à agenda climática.

Em paralelo, uma plataforma nacional de inteligência climática reuniria soluções climáticas existentes e iniciativas no campo da inovação, além de dados estratégicos para orientar políticas públicas, decisões de bancos de desenvolvimento, fundos estruturantes e agentes apoiadores da transição. Além disso, a implementação de um programa nacional de capacitação em inovação climática incentivaria o surgimento de startups qualificadas, estruturando formação técnica e processos de apoio para gestores públicos, empreendedores e operadores financeiros, com foco em regiões prioritárias e nos desafios específicos do setor.

Inovação climática não compete com mitigação ou adaptação: é justamente a inovação que permite ampliar o impacto das duas agendas. Tecnologias em estágio pré-escala, como bioinsumos, sistemas agroflorestais, soluções territoriais com drones, finanças regenerativas ou biocombustíveis derivados da macaúba alavancam eficiência e inclusão.

Não podemos organizar a transição separando as gavetas: mitigação aqui, adaptação ali, inovação acolá. O resultado ruim aparece: desperdiçamos a chance de acelerar, diversificar e adaptar nossa trajetória de mudança.

Temos Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) bem definidas no Acordo de Paris e planos de transição ecológica em construção. Mas é raro ver a inovação tratada como prioridade de política pública. Governo, empresas e financiadores operam com lógicas distintas - e muitas vezes desconectadas das oportunidades reais no território. É preciso unir as soluções, o conhecimento e o capital, transformando-os em estrutura de Estado. A COP30 é a chance de dar esse passo. Se a Conferência de Belém pretende ser s "COP da implementação", a inovação climática é o motor disso. Sem ela, não há como garantir impacto em escala, velocidade nem justiça social.

Ricardo Gravida é cofundador e co-CEO da Climate Ventures

Artigo originalmente publicado pelo Valor Econômico

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